O 1º de maio da asfixia de direitos e de pessoas

No dia 1º de Maio de 1886, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos da América – talvez no auge das consequências da revolução industrial -, o que significa dizer que se estava diante um dos períodos mais agressivos do poder econômico, em seu potencial doutrinário de exploração da classe trabalhadora, milhares de trabalhadores foram às ruas, com a paralisação dos serviços em protesto por melhores condições de trabalho, sobretudo a redução de jornada de trabalho. Na época os trabalhadores eram submetidos à jornada regular de treze (13) horas diárias, além de um sem-número de precárias e abusivas condições de trabalho.

Decorrência do ato alguns dias após a manifestação houve confrontos entre trabalhadores e a polícia, resultando na morte de doze (12) trabalhadores e na vitimação de dezenas de outros. Não bastasse a ação policial, penosa, subsequentemente cinco (5) trabalhadores foram condenados à morte e outros três à prisão perpétua, dando conta da evidente marginalização dos movimentos sociais e sindicais, desde aquela época.

A luta pela jornada de trabalho reduzida permaneceu ativa nos anos seguintes, conduzida especialmente na data de 1º de Maio, pela Segunda Internacional (1889-1916) que, muito sinteticamente, se tratava de movimento organizacional mundial, socialista, de defesa de interesses da classe trabalhadora. Alguns anos mais tarde e por conta de novos conflitos, com seguidas mortes de trabalhadores, tendo como principal pauta de reivindicação a busca da redução da jornada de trabalho para oito (8) horas, elegeu-se o dia 1º de maio como Dia Internacional do Trabalhador, logo, como mecanismo de rememorar a opressão e as mortes suportadas pela classe trabalhadora em sua caminhada.

No Brasil a data é comemorada desde o final do século XIX e início do século XX, mas pela primeira vez reconhecida como feriado pelo presidente Artur Bernardes, por volta de 1925. Atualmente a legislação que consigna apontada data como dia destinado a feriado, trata-se da Lei n. 662, de 6 de abril de 1949.

O Dia do Trabalho – como tratado como pela legislação nacional – surgiu, portanto, como instrumento de protesto, de luta, de reivindicações por melhores condições de trabalho. Partiu de uma ação mundial e em um mundo longe de ser globalizado – à época, por óbvio -, ultrapassou as fronteiras dos EUA e da Europa.

Ocorre que no modelo brasileiro – rendido às oligarquias e ao poder econômico, elementos que compõem o capitalismo -, a data, com o passar dos anos, tem perdido a sua essência, estando a possibilidade de recordar àqueles que a construíram, cada vez mais distante.

Por escusos interesses se tem destinado ao dia o aspecto de comemoração – não que a classe trabalhadora não a mereça, pelo contrário, a merece mais do que as oligarquias e o poder econômico que a domina -, mas não se pode lançar mão da lembrança que a data foi construída com o sangue de pessoas colocadas em condições de estrema fragilidade social e econômica.

Não menos preocupante – além do aspecto deturpado que se tem atribuído à data, obstaculizando a reflexão da classe trabalhadora quanto ao seu conteúdo -, o cenário brasileiro se mostra ainda mais perverso. Em meio à pandemia e maior crise sanitária deste século, a ausência de políticas públicas, sérias e compromissadas com o desenvolvimento e a inclusão sociais, tem acentuado as desigualdades sociais e econômicas. Igualmente, a inexistência de um planejamento econômico e de assistência financeira voltada às pequenas e às médias empresas tem resultado no fechamento de negócios e, consequentemente, no assustador aumento de desempregados.

Atualmente o país possui cerca de 14,2% de desempregados (as), maior taxa desde que o índice passou a ser apurado[1], além da igualmente crescente taxa de desalentados, assim consideradas as pessoas que deixaram; que desistiram da busca pelo emprego e que ultrapassa 5 milhões de pessoas. Os índices somados e se admitidas as estruturas familiares envolvidas, remontam à metade da população brasileira fora do mercado formal de trabalho.

Não se pode traçar uma análise sobre estes dados sem que se recorde que no ano de 2017 a chamada reforma trabalhista (lei n. 13.467/17) repleta de inconstitucionalidade, violações legais e a tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário foi vendida à sociedade como necessária à geração de empregos. Mesmo antes da pandemia o desemprego no país mantinha altos patamares, oscilando entre 12,3% e 11,5% (entre os anos de 2018 e 2019) respectivamente.[2]

Em verdade as alterações legais impostas pela ascensão de um regime de ruptura de direitos fundamentais e de precarização dos direitos historicamente conquistados e mundialmente consagrados, mantiveram os índices de desemprego elevados. Tornando os postos de trabalho abertos a partir de então com menor qualidade, remuneratória e de condições gerais de trabalho, ratificando, assim, uma condição de precarização das relações de trabalho.

Os últimos anos revelaram, portanto, constantes ataques ao direito do trabalho, à classe trabalhadora e às entidades sindicais representantes das categorias profissionais, em uma evidente tentativa de descontinuação e de fragmentação da luta e das ações coletivas em defesa dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras.

A pandemia acentuou ainda a mais a já existente necropolítica (política da morte) praticada pelo atual Governo Federal, pois apostando na contaminação em massa, o que implica na especial exposição daquelas pessoas que não têm opção de permanecer em casa e de observar um adequado e eficiente distanciamento social. Corolário disso foi o Brasil se tornar o epicentro da pandemia no mundo e superar (na data de hoje) 400 mil mortes por COVID-19.

A política de morte, portanto, impõe aos trabalhadores e trabalhadoras uma maior condição de vulnerabilidade, especialmente pela sua dependência econômica, resultante na necessidade de não dispensar o trabalho e, em sua quase totalidade, de uso de transportes coletivos, o que acarreta maior exposição ao contágio.

O cenário desenhado neste 1º de maio de 2021 é uma população trabalhadora asfixiada em seus direitos e em suas representações sindicais e também asfixiada nos leitos de hospitais, quando não nas filas de espera, corredores e no chão da rua, ante a política de morte praticada por um Governo causa asco e repulsa mesmo aos neoliberais do Velho Mundo.

No dia de hoje deve compreender a classe trabalhadora que não há saída outra que não seja, inebriada pelo sangue daqueles que há cerca de 130 anos entregaram suas vidas em nome da construção de uma legislação minimamente decente e respeitosa, retomar o espírito e a essência que sempre instrumentaram e conduziram a existência do dia destinado ao trabalho: A LUTA E A RESISTÊNCIA!

Se há um dia denominado “Dia do Trabalhador”, outro não há de ser o seu significado, senão o de: LUTA!

Lamentavelmente, no Brasil de Jair Bolsonaro a luta transcende à relação de trabalho e às melhores condições contratuais para atingir a busca por maior e mais dignidade, pela preservação e retomada de direitos e de garantias fundamentais, pelo direito de viver! Por não banalizar a vida. Por não naturalizar a morte.

A luta é para que todos os filhos e filhas de porteiros alcancem os mais altos bancos das universidades. 

   “A emancipação das classes trabalhadoras tem de ser conquistadas pelas próprias classes trabalhadores.” (Karl Marx em Normas gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores)


[1] https://censo2021.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/30390-desemprego-fica-estavel-em-14-2-no-trimestre-encerrado-em-janeiro.html

[2] https://br.advfn.com/indicadores/pnad/2019