Empresa de reciclagem é condenada a pagar R$ 50 mil para empregado que perdeu a mão em serviço

A 4ª Câmara do TRT-15 negou provimento ao recurso da reclamada, empresa que atua na área de reciclagem, e deu parcial provimento ao recurso do reclamante para majorar o valor das indenizações por danos morais e estéticos para 50 mil reais cada bem como para determinar o pagamento da indenização por dano material em parcela única.

O reclamante foi vítima de acidente típico de trabalho em 13 de julho de 2011, quando o seu braço esquerdo ficou preso no triturador de isopor em que trabalhava, ocasionando a posterior amputação de sua mão esquerda.

No voto, o desembargador Dagoberto Nishina Azevedo destacou se tratar de mais um lamentável acidente de trabalho grave que mutilou trabalhador jovem (33 anos), sem qualificação profissional, analfabeto funcional, em máquina precária e sem proteção adequada, com consequência funesta e definitiva para a atividade laborativa e pessoal, haja vista a amputação total de sua mão esquerda.

Em seu recurso, a reclamada buscou se isentar da responsabilidade alegando culpa exclusiva do trabalhador pelo infortúnio. Contudo, a tese da defesa foi afastada pelo acórdão com base na prova pericial, que constatou a precariedade da máquina de triturar, revelando que o operador despeja todo o conteúdo do bag no triturador, arriscando-se a enroscar os braços na alça e ser puxado pelos dentes do equipamento. Ademais, o voto registrou a tentativa da ré de simular situação segura com a substituição das chapas originais da máquina que protegem o trabalhador, consignando que antes da alteração os dentes da trituradora estavam expostos e na altura da cintura do operador.

Considerando que a culpa da empregadora na modalidade negligência restou robustamente demonstrada, o relator deu parcial provimento ao apelo do reclamante para majorar o valor das indenizações por danos morais e estéticos de 25 mil para 50 mil reais cada, fundamentando que não havia dispositivo de parada em caso de contato dos dentes com material mais espesso e resistente que placa de isopor e que o botão que desligaria a máquina estava fora de alcance e o acesso era obstruído. Concluiu, desse modo, que tudo anunciava como num outdoor neon o acidente, evitável com a adoção de medidas simples, eficazes, elementares e obrigatórias de segurança.

Por derradeiro, o relator acolheu o recurso do reclamante para garantir-lhe o pagamento da indenização por dano material – pensão mensal arbitrada de 100% da última remuneração até quando o autor completar 73,5 anos de idade -, de uma só vez, nos termos parágrafo único do art 950 do Código Civil, tendo em vista a inabilitação do reclamante para as funções anteriores e insucesso de reabilitação para outra função devido ao baixo grau de instrução, possibilitando-lhe investimento pessoal em outro meio de subsistência e qualificação profissional. (Processo 0000513-94.2013.5.15.0122)

PROCESSO TRT 15ª REGIÃO Nº

0000513-94.2013.5.15.0122

RECURSOS ORDINÁRIOS

PROCEDIMENTO ORDINÁRIO

1º RECORRENTE

:

FRANCISCO JOSE NUNES DE BRITO

2º RECORRENTE

:

R. DE C. G. CAVALCANTE – EPP

ORIGEM

:

VARA DO TRABALHO DE SUMARÉ

JUÍZA SENTENCIANTE :

LUCIENE PEREIRA SCANDIUCI RIDOLFO

ACIDENTE DO TRABALHO – INSEGURANÇA NA OPERAÇÃO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS DE PRODUÇÃO – NEGLIGÊNCIA PATRONAL

A nossa regência sexagenária, CLT, reflete a preocupação do legislador, no início da industrialização nacional, com a prevenção de acidentes com os operadores de máquinas e equipamentos de produção repetitiva, determinando a adoção de dispositivos de partida e parada, além de outros, para evitar acionamento acidental (Artigo 184).

A operação de máquinas do setor produtivo exige treinamentos e métodos constantes de prevenção de acidentes, desgraçadamente ignorados por muitos empregadores.

Não raro vejo, em ações acidentárias, a insegurança do ferramental, a forma de operação em máquina precária e sem proteção adequada, ficando fora de alcance ou obstruído o botão que desliga o equipamento.

A situação retratada nestes processos é anúncio em outdoor neon de acidente evitável com a adoção de medidas simples, eficazes, elementares e obrigatórias de segurança.

Flagrantemente descumpridora de sua obrigação exclusiva de garantir aos trabalhadores proteção contra acidente absolutamente previsível e de cuja prevenção descurou, a empregadora atrai o dever de reparar os danos materiais e morais (Inteligência do Artigo 7º, incisos XXII e XXVIII, da Constituição, Artigo 157, da CLT e Artigos 186 e 950, do Código Civil).

ACIDENTE DO TRABALHO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR

Na relação de emprego, cabe exclusivamente ao empregador o dever de zelar pela segurança do ambiente de trabalho (Artigo 7º, Inciso XXII, da Constituição), responsabilizando-se por todas as ocorrências que dele possam advir e causar qualquer mácula à saúde do empregado, o qual disponibiliza seu maior patrimônio – sua higidez.

Portanto, seja por dolo, culpa ou mesmo pelos riscos da atividade empresarial, é do empregador a obrigação de reparar os danos sofridos pelo empregado (Artigo 7º, Inciso XXVIII, da Constituição, Artigo 2º, da CLT e Artigo 927, parágrafo único, do Código Civil).

Trata-se de recursos ordinários interpostos pelos litigantes em face da Sentença de fls. 323/332, cujo relatório adoto, complementada pela decisão proferida em embargos de declaração, fls. 347, a qual concluiu pela procedência parcial da reclamação, imputando responsabilidade à empregadora em acidente do trabalho que deixou sequelas irreversíveis no trabalhador. O reclamante pretende acréscimo condenatório de indenização por danos materiais, pagamento em parcela única da pensão, majoração das indenizações por danos morais e estéticos; a reclamada reitera a culpa exclusiva da vítima no evento e absolvição da culpa e dever de reparação, alternativamente, redução dos valores arbitrados.

Recolhimento das custas e depósito recursal a fls. 360/361.

Não foram ofertadas contrarrazões.

É o que de relevante cumpria relatar.

Eis meu V O T O:

Tempestivos e revestidos das formalidades legais pertinentes à espécie, conheço dos recursos conjuntamente.

Trata o espécime de mais um lamentável acidente de trabalho grave que mutilou trabalhador jovem (33 anos), sem qualificação profissional, analfabeto funcional, em máquina precária e sem proteção adequada, com consequência funesta e definitiva para a atividade laborativa e pessoal, haja vista a amputação total de sua mão esquerda e insucesso em sua reabilitação dada a sua precária formação cultural e déficit intelectual.

Vã a tentativa da empregadora em atribuir a culpa ao empregado, a perícia empreendida na máquina pela Perita Engenheira, laudo a fls. 232/244, evidencia a precariedade da máquina de triturar peças de isopor, cujo processo impunha ao reclamante a seleção do material, colocação no compartimento aberto do triturador individualmente ou despejando o conteúdo total acondicionado em bags como ilustram as fotografias de fls. 234 verso/235.

Ressalto as informações prestadas pelos entrevistados pela Experta (rol a fls. 233 verso), especialmente pelo proprietário da empresa, Rodrigo de Carlos Ghiraldello Cavalcante (fls. 234), relativas às alterações no tamanho das chapas laterais da máquina e no eixo dentado, mantidas as soldas que possibilitam a verificação da antiga configuração, ou seja, antes da alteração os dentes da trituradora estavam expostos e na altura da cintura do operador, depois foram soldadas chapas para simular situação segura inexistente (fotografias de fls. 70/72 e 235).

A Perita arrolou as irregularidades do equipamento a fls. 237 verso/238:

A análise dos itens apresentados da referida Norma em conjunto com a situação da máquina evidenciada na diligência pericial e apresentada nas fotografias (item 09 deste Laudo Técnico) permite as seguintes afirmações:

* As áreas de circulação estavam obstruídas e não demarcadas, os materiais utilizados no processo estavam espalhados ao redor da máquina.

* Conforme relato dos Sr. Rodrigo de Carlos Ghiraldello Cavalcanti a empresa não possui documentação técnica referente a projetos de fabricação, instalação e/ou segurança da máquina e responsável.

* O quadro de energia da máquina permanece com a porta encostada, não possui sinalização quanto ao perigo de choque elétrico e restrição de acesso e não possui identificação dos circuitos.

* A máquina não possui proteções ou dispositivos de segurança que garantem a proteção dos trabalhadores às partes perigosas da máquina.

* A máquina não possui dispositivos de parada de emergência em locais de fácil acesso e visualização pelos operadores.

* A mesa/bancada de acesso ao ponto de abastecimento do Moinho não era fixada e também não possuía sistema de proteção contra quedas.

* Não foram apresentados os registros de manutenção da máquina.

O mais terrificante foi revelado por Rodrigo, enfatizo, proprietário da empresa, à Perita, afirmou que não possui documentação técnica referente a projetos de fabricação, instalação e/ou segurança da máquina e responsável técnico (fls. 234 verso), confirmando negligência de um aparelho altamente perigoso, por isso, potencialmente causador de acidentes atingindo os membros superiores do operador, como ocorreu com o reclamante.

A conclusão da Experta é irrefutável:

Em face do exposto, em conformidade com o Artigo 157 da CLT combinado com a NR 12 da Portaria 3.214/78 do MTE (PORTARIA N° 197, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2010), CONCLUO QUE A MÁQUINA AVALIADA ESTÁ EM DESACORDO OS ITENS: 12.6 / 12.6.2 / 12.7 / 12.9 ALÍNEA a / 12.11.1 / 12.18 ALÍNEAS a, b, d / 12.38 / 12.38.1 / 12.56 / 12.57 / 12.58 / 12.64 / 12.70 E 12.112 DA REFERIDA NR 12, DE MODO QUE NÃO OFERECIA AS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA ESPECIFICADAS NA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DO CONTRATO DE TRABALHO DO RECLAMANTE. (fls. 240 verso, grifo no original)

E o processo também era inseguro, contrariando a versão apresentada na contestação, segundo a qual, o reclamante deveria lançar no moinho placas de isopor para serem trituradas (fls. 113), a simulação da operação 235 verso e a fotografia inserta no parecer do assistente técnico da reclamada (fls. 277), revelam que o operador despeja todo o conteúdo do bag no triturador, arriscando-se a enroscar os braços na alça e ser puxado pelos dentes do equipamento, seja nas condições em que estavam antes (fls. 70 e 72), ou depois, com aumento da altura das laterais (fls. 71), pois, segundo a Perita, foi instalada uma mesa/bancada de elevação na qual o operador sobe para despejar o conteúdo do bag (fotografia nº 8 – fls. 235 verso)

A descrição do acidente feita pelo reclamante é plausível e condizente com os dados, ao despejar o conteúdo uma alça do bag enroscou nos dentes do moinho levando com ela seu braço esquerdo, não havia dispositivo de parada em caso de contato dos dentes com material mais espesso e resistente que placa de isopor, como alegou a reclamada, e o botão que desligaria a máquina estava fora de alcance e o acesso era obstruído (fotografias de fls. 71) e constatou a Experta:

a máquina não possui dispositivos de parada de emergência em locais de fácil acesso e visualização pelos operadores (fls. 238).

A culpa da empregadora é abundante, não comprovou o devido treinamento do reclamante para operar a máquina com segurança, apenas passou-lhe de maneira informal as ordens de serviço, informando que a máquina trava quando existe qualquer produto ou material de densidade superior ai isopor, como assentado no parecer do assistente técnico (fls. 278), já discorrido, a máquina era precária e insegura. Enfim, tudo anunciava como num outdoor neon o acidente, evitável com a adoção de medidas simples, eficazes, elementares e obrigatórias de segurança.

Por isso e com isso, não comove a insistência da reclamada quanto à segurança do equipamento, desmentida a olho nu pelas fotografias e dados periciais, ou em atribuir ao empregado, pessoa simples, analfabeta e sem as instruções adequadas, culpa pelo infortúnio, cabendo-lhe justas as hipóteses legais que embasam a conclusão de negligência culposa, com nuances de dolo eventual, atraindo a obrigação de indenizar os danos causados: Artigo 7º, incisos XXII e XXVIII, da Constituição, Artigos 186, 927 e 950, do Código Civil.

O laudo médico, fls. 186/192, informa as consequências nefastas do acidente: o reclamante trabalhador braçal, aos 31 anos de idade, em seu segundo contrato de trabalho, foi contratado pela reclamada em 02/05/2011, pouco tempo depois, em 13/07/2011, teve sua mão esquerda amputada ao nível da articulação rádio cárpica, tem nível mínimo de instrução escolar, é analfabeto funcional e por isso não pode ser reabilitado para a função de porteiro, não havendo na reclamada outra função que possa exercer, como assentado na ficha de reabilitação encartada a fls. 55/58.

Por conseguinte, a conclusão originária é inalterável: é caso de indenização correspondente a 100% da última remuneração percebida (restituição integral do patrimônio atingido) a partir do acidente, até a data em que o reclamante completaria a expectativa de vida medida pelo IBGE, conforme cabeça do Artigo 950, do Código Civil.

Entretanto, diversamente do entendimento da MMª Juíza sentenciante, o pagamento de uma só vez é direito conferido ao ofendido no parágrafo único do mesmo dispositivo e recomendado no caso, dada sua inabilitação para as funções anteriores e insucesso de reabilitação para outra função devido ao baixo grau de instrução, possibilitando-lhe investimento pessoal em outro meio de subsistência e qualificação profissional.

O dies a quo da indenização por dano material coincide com o do acidente, portanto, abarca o período em que o reclamante esteve sob tratamento médico, recebendo auxílio-doença, não justificando seu pedido de diferença entre os valores do benefício e salário.

A condenação relativa às consultas/procedimentos, medicamentos necessários à recuperação/adaptação do trauma, aquisição e troca de prótese consoa com a previsão do Artigo 949, do Código Civil.

Dada a culpa grave da empregadora, a dor incomensurável imposta ao empregado e o dano estético estigmatizante infligido, provejo o recurso do reclamante e elevo de R$ 25.000,00 para R$ 50.000,00 cada indenização, por dano moral e estético, no meu sentir suficiente para aplacar sua dor e sinalizar à reclamada sua conduta imprópria, a qual, se não corrigida, causará outros acidentes tão ou mais graves.

DELIBERAÇÃO DE URGÊNCIA

Parafraseando Luís Roberto Barroso,1 o trabalhador tem, e merece mais pressa2.

A vida não para e não prescinde de cuidados constantes e presentes. No que nos concerne, a prestação jurisdicional deve atender às postulações por ela julgadas justas e legais, implementando-as com a premência ideal e necessária.

Com base no permissivo dos Artigos 300, 497 e seguintes, do Código de Processo Civil, concluo que o pensionamento deve ser antecipado, na forma requerida a fls. 138/142, considerando:

a) o acidente do trabalho é incontroverso;

b) o reclamante está mutilado e com capacidade laborativa extremamente reduzida, pois é analfabeto e sempre trabalhou como braçal; não pode ser reabilitado na reclamada, fls. 55/58, necessita de tratamento e ajustes na prótese, é casado, sua mulher não trabalha e o casal tem um filho menor (fls. 188);

c) o INSS cessou o tratamento e pagamento do auxílio doença em 27/02/2013, passando a pagar-lhe auxílio-acidente no valor inicial de R$ 512,44 (fls. 143 frente e verso);

d) este processo tramita desde 11/03/2013 e devemos garantir duração razoável e célere do processo, direitos fundamentais previstos no Inciso LXXVIII, do Artigo 5º, da Constituição.

Diante do exposto, decido conhecer dos recursos interpostos, não prover o de R. DE C. G. CAVALCANTE – EPP; prover em parte o de FRANCISCO JOSE NUNES DE BRITO para garantir-lhe o pagamento da indenização por dano material de uma só vez e aumentar as indenizações por dano moral para R$ 50.000,00 e por dano estético para R$ 50.000,00.

Sobre o acréscimo condenatório, R$ 50.000,00, a reclamada recolherá custas, R$ 1.000,00.

Para dar efetividade, celeridade e utilidade à decisão, determino que, independentemente do trânsito em julgado, após a sessão de julgamento dos presentes recursos ordeno à Secretaria da 2ª Turma desse Regional proceda:

1) expedição de carta de ordem direcionada à Vara de origem para determinar à reclamada que:

1.1) inicie imediatamente o pagamento do valor da diferença entre o auxílio-acidente e o valor da remuneração que o reclamante estaria percebendo se trabalhando estivesse, em dia normal de pagamento dos salários dos demais empregados a ser abatido do valor total da indenização por dano material;

1.2) pague as despesas relativas a consultas e procedimentos médicos, medicamentos e exames necessários à recuperação/adaptação do trauma, aquisição e troca de prótese;

1.3) pena de multa de R$ 1.000,00 por dia, sem prejuízos das demais sanções cabíveis por descumprimento de ordem judicial;

2) remessa de ofício ao Delegacia Regional do Trabalho de Sumaré e Ministério Público do Trabalho local para vistoriar a empresa reclamada e impedirem que a máquina na qual o reclamante acidentou-se continue funcionando na forma precária apurada na perícia.

1 Ministro do Supremo Tribunal Federal

2 Quem está preso, tem pressa (Entrevista ao Portal de Notícias G1, em 18/06/2014)

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

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